Rio de Janeiro, 11 de maio de 2021
bom dia, boa tarde, boa noite!
para quando receber esta carta que a saudação certa chegue ✨
Não há hora certa para a leitura, se precisar, as palavras podem descansar por algumas semanas na caixa de entrada. Mas ao mesmo tempo, eu começo sinalizando com a data, acho importante, ela dá um sinal de onde* estou mandando.
*o quando também marca muito o lugar que a gente tá, de onde estamos vivendo.
A realidade, muitas vezes, passa por cima da mente, e nos últimos dias, tem esmagado as ideias. Caminhar tem sido difícil com as feridas desse tempo abertas. Eu dou voltas e voltas tentando entender como lidar, sarar, se é possível cessar um pouco a dor. E acho que nesse processo, onde as respostas não são fáceis ou imediatas, andei tropeçando por todos estágios que o caos suscita: apontando o dedo ao mesmo tempo que me sinto pequena e impotente.
O tempo se joga na gente, cada dia é sentido de uma forma, e eu posso até me guiar por calendários, mas continuo perdida pelas sensações que cada notícia traz. Tem dias que uma semana inteira ocupa brutalmente as 24 horas, e as perdas se estendem para muito mais.
Bem, esses parágrafos ^ se amarram ao início de maio e o que tem sido todo esse período difícil.
Tenho partilhado aqui com você a história de alguns desenhos, como nasceram e sentimentos que despertam. Junto deles vem mais coisas, às vezes caminhos que eu nem previa, mas saltam e são verbalizados.
Na primeira carta que enviei, a seguinte frase foi a abertura:
Pés no real e a cabeça na criação do que pode ser.
Mil e um sentidos ecoam a partir daí, e eu espero encontrar formas de concretizar parte deles. Colocando os pensamentos e devaneios pra fora, aqui, acredito que esse movimento não se desenha sozinho, pelo menos, eu, não quero caminhar só. Não sei ainda como, mas de alguma forma quero que nossos sonhos se esbarrem, se encontrem, se fortaleçam. E mesmo que muita coisa seja incerta e a realidade duríssima, eu faço um pedido, parodiando (da forma mais simples, direta e talvez um pouco brega) o sucesso escrito por Edson Gomes da Conceição e Aloísio Silva:
não deixe seu sonho morrer
não deixe seu sonho acabar
o mundo foi feito de sonhos
de sonhos pra gente brilhar
Nesse embalo, convido você para a história do desenho de hoje:
casa liberdade
A casa liberdade surgiu ao pensar nos movimentos de duas pessoas muito especiais pra mim. Parte da minha família que eu carrego o último sobrenome: Cavalcante. Meu pai, Luiz (conhecido por meio mundo como Cavalcante) e minha irmã mais velha Thayana (a Thaaaaaaaaay).
A estrada parece chamar os dois, cada um atende ao seu jeitinho.
Meu pai se lançou logo cedo, partindo do Piauí, mesmo sem saber qual caminho iria traçar, foi seguindo, aos poucos descobrindo e nesse movimento acumulando história pra vida inteira. Ainda hoje, existem coisas que não sei, causos que pra mim são surpresas. Viagens de carro, mesmo as que tem auxílio do GPS pra cada trajeto, me lembram meu pai abrindo o mapa do Brasil desenhando os planos, vendo por quais BR’s a gente iria rodar, descendo no posto pra comprar picolé e puxando a brincadeira do “tibitar” (uma pessoa pensa em alguma coisa e os outros tem que adivinhar, e o vocabulário do jogo é com essa palavra engraçada que não tenho ideia de onde surgiu “tibita tem no carro?” “tibita é de comer?” “ei, já tibitei, pode perguntar”).
Enquanto Luiz já cortou esse país de cima pra baixo, em estrada de terra e asfalto, a Thay escutou a chamada pro voo, com olho atento e curioso. Sendo na cachoeira mais próxima, em país vizinho ou voando pra outro continente, quando mais nova eu não sabia direito onde minha irmã de eternos 20 anos - impressionante que o tempo passa e a carinha não muda - estava indo e descobrindo. A Thay voa e sempre volta com suas histórias, registros lindos, mil curiosidades e lembranças pra cada irmã e irmão. E além de se jogar no mundo, ela me guiou pra outras vias de forma pioneira, o universo mágico de filmes e exposições (nunca vou esquecer como “turista espacial” me marcou, e nossas idas ao CCBB).
A casa liberdade resgata um pouco desses espíritos: pé na estrada, descoberta de lugares que nunca imaginei estar.
Tentei traduzir o sentido que observar os dois ao longo do tempo me despertou:
fantasticamente mergulho e voo.
Depois de estudar formas de desenhar a árvore, o peixe e o pássaro com lápis de cor, eu percebi que queria mais contraste com o fundo. Busquei uma folha colorida e nela o lápis de cor se perdeu um pouco nos testes iniciais, então eu mudei pra guache, trabalhando com o azul e branco e me entreguei pra traços mais soltos e grossos.
A paisagem se inspira no mangue, ecossistema de encontros que eu acho fascinante. Águas tranquilas, céu limpo, cenário que acolhe a liberdade de habitá-lo.
Aqui algumas imagens de referência que me ajudaram a construir a composição:
e assim ficou:
Obrigada por acompanhar até aqui! De recomendações pra mais mergulhos e voos, eu deixo dois links pra quando você tiver mais tempo, ou se já quiser emendar:
O primeiro é o texto Estrada de Piçarra, foi escrito pela minha irmã Alice e ela resume assim: “Texto escrito com base em conversa que tive com meu pai. É sobre momentos de quase-morte, então acaba sendo sobre vida." leia aqui: Estrada de Piçarra
E o segundo link é o Instagram de viagens da minha irmã Thay, lá ela divide o olho pra fora, sua visão de/do mundo: thaaaaaaaaay
Por hoje é só,
(Fique bem e cuide dos seus sonhos! fora de casa use máscara e na medida do possível frequente lugares beeem ventilados.)
Um abraço e até a próxima!
Lelê